Em comunidades como as dos otavaleños, cholas e saraguros, o cabelo longo e trançado representa não apenas a estética, mas também valores, conhecimentos e uma conexão com a energia vital.
A tradição das tranças entre os povos da serra equatoriana remonta a tempos pré-coloniais. Pesquisadores como Roberto Lleras Pérez, Luz Gómez e Javier Gutiérrez encontraram evidências arqueológicas que datam de 810 a 1475, incluindo adornos em formato de espirais que, possivelmente, eram utilizados para enfeitar os cabelos trançados. Esses adornos eram feitos de tumbaga dourada, uma liga de ouro e cobre muito usada nas culturas andinas.
Tranças e Espiritualidade
Além dos artefatos históricos, as tranças aparecem em diversas lendas e tradições dos Andes. Em muitas comunidades, acredita-se que os fios de cabelo caídos devem ser queimados ou enterrados para evitar que sejam usados em feitiçarias. Outra crença comum afirma que, após a morte, a pessoa precisa reunir todos os cabelos que perdeu ao longo da vida, o que justifica o costume de recolhê-los ainda em vida.
A forma como o cabelo é trançado também pode indicar o contexto social e espiritual. Em tempos de guerra ou rituais fúnebres, as mulheres costumavam fazer várias tranças finas. Já em ocasiões festivas, adornavam os cabelos com tullmas (fios decorativos) ou flores, tradição que persiste até hoje.
Identidade e Resistência
Para muitos indígenas andinos, manter o cabelo longo e trançado é uma forma de afirmar sua identidade. Óscar Lituma, um artesão otavaleño que vende ponchos no Equador, conta que seu cabelo faz parte essencial de quem ele é: “Não há uma regra que nos obrigue a manter o cabelo longo, mas eu gosto assim. É uma forma de homenagear meus antepassados”.
Ana Tacuri, curandeira e especialista em ervas medicinais, também considera suas tranças uma expressão de identidade e força. “O cabelo é onde se concentram nossos pensamentos, inteligência e energia. Esse valor existe desde tempos ancestrais e continua vivo até hoje”, afirma.
Nos povos saraguros, o cabelo longo e trançado – chamado de guango – representa resistência cultural e conexão com a natureza. Antigamente, cortar o cabelo de alguém era considerado um castigo severo, especialmente para mulheres acusadas de infidelidade. Hoje, mesmo sem essa punição, aqueles que optam por cortar o cabelo são, em alguns casos, vistos como pessoas que se afastam de suas raízes.
A prática de trançar os cabelos vai além da estética, sendo um ato de afeto e união. Entre os saraguros, apenas familiares próximos – como mães, irmãs ou esposas – podem tocar e trançar os cabelos uns dos outros, reforçando o laço entre as gerações.
Um Símbolo de Orgulho
Em quíchua e outras línguas andinas, as tranças recebem diferentes nomes: jimba, chinpa e guango. Mesmo aqueles que não falam fluentemente o idioma ancestral reconhecem esses termos e os utilizam em seu cotidiano.
Manter os cabelos trançados é, para os povos andinos, um ato de resistência e valorização de suas origens. Essa tradição milenar se mantém viva e continua a identificar os nativos dos Andes em qualquer parte do mundo, como um verdadeiro emblema de orgulho cultural.